terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Luzir em Luciam



LUCIAM parou ofegante diante da porta velha de madeira escura e olhou para seus pés sujos, descalços e machucados pela caminhada que fizera até ali. O caminho foi longo e cheio de terra negra. Ele não podia deixar de sentir a dor salgada que os ferimentos produziam.
E embora se distraísse com suas dores, Luciam sabia, tinha que entrar.

O caminho foi longo, mas seu objetivo estava bem à frente.
Então, com os olhos cerrados e com um medo incerto, Luciam forçou a maçaneta abrindo repentinamente a porta e os olhos.
Deparou-se então com um amplo espaço completamente tomado pelo que parecia ser uma interminável quantidade de poeira, trapos, brinquedos, entulho e fuligem. Tudo velho, sujo e sinistro.
O lugar parecia perigoso, Luciam nem sabia ao certo se existia chão firme para ele pisar.


Tudo estava tomado por um imenso emaranhado de tudo.

Tomando mais coragem, Luciam pisou e entrou de vez naquele ambiente tétrico sem mais hesitar.
Começou a vasculhar freneticamente cada parte em busca do tão esperado fim e começo que viera buscar.
Luciam procurava e à medida que mexia naquelas coisas, chorava e soluçava por não entendê-las e por não encontrar nada que pudesse ajudá-lo.
E nesse desencontro, Luciam de longe o viu luzir...

Bem em cima de uma caixa mofada, brilhava e transluzia um simples e clássico espelho.

Fascinado com o quão perto estava de tudo que procurava, andou lentamente em direção ao espelho, sentindo as batidas de seu coração acelerado, acalmarem-se.
Sentindo as feridas de seus pés, sararem.
Sentindo seu rosto retorcido pela dor, renovar-se


Luciam sentia que seu Luciam voltava.


Luciam percorreu aquele pequeno trajeto e quando finalmente estendeu seu braço para pegar o espelho, não estava ansioso, estava certo.
Ele pôde enfim olhar claramente para si e enxergar além da carne.
A imagem do espelho era fiel ao que Luciam era.

Porém a imagem do cômodo em que Luciam estava era bem diferente do reflexo no espelho.
O espelho refletia um lugar limpo, com calmos azulejos azuis nas paredes e cortinas em uma janela onde o sol batia suavemente. No lugar dos entulhos havia uma prateleira de livros organizadamente enfileirados. No chão, um tapete tão branco quanto o teto e uma mesa com dois vasos de flores ocupados por um lindo par de margaridas.
Luciam logo entendeu o que deveria fazer.
Deixando o espelho, começou a arrumar lentamente, todos os objetos que encontrava. Debaixo das coisas jogadas no chão, encontrou o tapete que vira no reflexo do espelho. Tão branco que não podia acreditar que estivesse ali todo o tempo. Jogando fora mais objetos, foi fácil perceber que logo atrás havia a janela iluminada com sua cortina pacífica.
Após desocupar mais uma parte do cômodo, encontrou a prateleira de livros, vazia. De modo que a organizou e todos os livros antes jogados agora tinham seu lugar. Encontrou também a mesa e a recuperou colocando os dois vasos em cima dela.
Luciam se deu conta de que as paredes e o teto estavam tomados por uma densa camada de sujeira, de modo que cabalmente se pôs a limpá-los e esfregá-los até que viu debaixo da crosta imunda, surgir os suaves azulejos azuis.
Quando Luciam enfim terminou, comtemplou a ordem e o sabor da calmaria tomando conta de si.
Pôde ver as irmãs Felicidade, Segurança e Paz chegando até a porta e deu boas vindas a elas!


Luciam respirou como não fizera em toda sua vida.



Ele olhou para o cômodo agora limpo, alvo e puro e novamente atentou-se ao espelho. Com um sorriso calmo viu satisfeito que as imagens se correspondiam 

Exceto por um detalhe;

Luciam observou os vasos vazios de flores sob a mesa,
nesse instante, soube que cabia a ele ir colher as margaridas longe dali pra depois retornar ao lugar que ele podia finalmente chamar de lar.







Um comentário:

  1. Que crônica-poética magnífica!
    Todas as pessoas deviam ler !

    Meus parabéns Renata Alves, textos assim acrescentam tanto em nossas vidas que não podem deixar de ser escritos!

    Se a pessoa ler e entender um pouquinho, terá a oportunidade de salvar uma vida: A dela mesma.

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